quinta-feira, 2 de abril de 2009

Hertzberger - Lições de Arquitetura

"Quando examinamos um dos muitos livros sobre arquitetura que estão sendo publicados hoje em dia e vemos todas aquelas fotografias brilhantes, tiradas, sem exceção, em perfeitas condições de tempo, não podemos deixar de nos perguntar o que se passa na mente dos arquitetos, como eles vêem o mundo; às vezes chego a pensar que eles têm uma profissão diferente da minha! Pois a arquitetura não pode ser outra coisa senão o interesse pela vida cotidiana, tal como vivida por todas as pessoas; é como o vestuário, que não deve apenas nos vestir, mas ajustar-se bem a nós. E, se é moda hoje em dia preocupar-se com as aparências a coisas superiores, então a arquitetura foi degradada a um tipo inferior de escultura. O essencial é que, seja lá o que se faça, onde quer que se organize o espaço e de que maneira, ele terá inevitavelmente certo grau de influência sobre a situação das pessoas. A arquitetura, na verdade, tudo aquilo que se constrói, não pode deixar de desempenhar algum tipo de papel nas vidas das pessoas que a usam, e a principal tarefa do arquiteto, quer ele goste, quer não, é cuidar para que tudo o que faz seja adequado a todas estas situações. Não é apenas uma questão de eficácia no sentido de ser prático ou não, mas de verificar se o projeto está corretamente afinado com as relações normais entre as pessoas e se ele afirma a igualdade de todas as pessoas. A questão de saber se a arquitetura tem uma função social é totalmente irrelevante, pelo simples motivo de não existirem soluções socialmente indiferentes; em outras palavras, toda intervenção nos ambientes das pessoas, seja qual for o objetivo específico do arquiteto, tem uma implicação social. Assim, na verdade, não somos livres para ir e projetar exatamente o que nos agrada - tudo o que fazemos traz conseqüências para as pessoas e para seus relacionamentos. Um arquiteto não pode fazer muita coisa, o que torna ainda mais importante não desperdiçar as poucas oportunidades existente. Se você acha que não pode melhorar o mundo com seu trabalho, pelo menos não o piore. A arte da arquitetura não consiste apenas em fazer coisas belas – nem em fazer coisas úteis, mas em fazer ambas ao mesmo tempo – como um alfaiate que faz roupas bonitas e que servem. E, se possível, roupas que todos possam usar, não apenas o Imperador. Tudo o que projetamos deve ser adequado a cada situação que surja; em outras palavras, não deve ser apenas confortável mas também estimulante – e é esta adequação fundamental e ativa que eu gostaria de designar como ‘forma convidativa’: a forma que possui mais afinidade com as pessoas."



Herman Hertzberger, in Lições de arquitetura


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