O primeiro deles é o flâneur (palavra que no último ano, assim como meus colegas, ouvi à exaustão). Figura errante e descompromissada é muitas vezes confundida com um simples vagabundo. No entanto, o flâneur é acima de tudo um observador/admirador que, passeando junto às multidões, percorre todos os espaços da cidade, fazendo disso matéria-prima de suas críticas e/ou inspirações. Muito desenvolvida por Baudelaire no final do século XIX, inspirado também pelo conto “O homem das multidões” de Edgar Allan Poe, a flânerie influenciou centenas de artistas pelo mundo, como o
brasileiro (que me cansou muito, mas não menos interessante) João do Rio. Em 1962, em seu ensaio “Sobre alguns temas em Baudelaire”, o filósofo Walter Benjamin analisa estes aspectos da poesia baudelaireana, para ele, “dar uma alma a multidão é o verdadeiro objetivo do flâneur”. O poema “A uma passante”, um dos mais populares de Baudelaire, é exemplo claro, da influência que o poeta sofria da cidade:
A rua em derredor era um ruído incomum,
longa, magra, de luto e na dor majestosa,
Uma mulher passou e com a mão faustosa
Erguendo, balançando o festão e o debrum;
Nobre e ágil, tendo a perna assim de estátua exata.
Eu bebia perdido em minha crispação
No seu olhar, céu que germina o furacão,
A doçura que embala o frenesi que mata.
Um relâmpago e após a noite! — Aérea beldade,
E cujo olhar me fez renascer de repente,
Só te verei um dia e já na eternidade?
Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,
Tu que eu teria amado — e o sabias demais!
E para Benjamin “o significado do soneto numa frase é o seguinte: a aparição que fascina o habitante da metrópole – longe de ter na multidão somente a sua antítese, somente um elemento hostil – é proporcionada a ele unicamente pela multidão”.
Em um segundo momento temos a deriva, estratégia surgida na década de 60 dentro do grupo Situacionista. A deriva correspondia ao caminhar sem rumo, porém, enquanto o flâneur se interessava prioritariamente pelas multidões, os Situacionistas viam na arquitetura e no urbanismo os pontos de partida para suas concepções estéticas. Nas palavras do próprio grupo “(a deriva) se mistura à influência do cenário. Todas as casas são belas. A arquitetura deve ser apaixonante. Nós não saberíamos considerar tipos de construções menores. O novo urbanismo é inseparável das transformações econômicas e socias felizmente inevitáveis”.
O que surgiu como um movimento artístico, aos poucos tomou contornos políticos revolucionários, sendo o urbanismo um dos pontos de maior crítica. Para eles qualquer construção dependeria da participação dos cidadãos, o que só seria possível com uma verdadeira revolução cultural, já que o planejador não conseguia captar as reais aspirações da sociedade, “se o planejador não pode conhecer as motivações comportamentais daqueles a quem ele vai proporcionar moradia nas melhores condições de equilíbrio nervoso, mais vale integrar desde já o urbanismo no centro de pesquisas criminológicas”.
Enfim um fenômeno tipicamente contemporâneo, o parkour. Esporte praticado nas cidades, definida por seus praticantes “de arte do deslocamento”, que utiliza várias capacidades do corpo humano para se movimentar no espaço, saltando, se equilibrado e correndo, “dominando” assim, objetos e edifícios.
Mesmo não possuindo um propósito estético (a priori), o parkour se assemelha tanto ao flâneur quanto à deriva: o primeiro se encontra na percepção dos espaços públicos (da cidade como um todo – incluindo seus habitantes) a serem utilizados e o segundo, ao uso e à apropriação de fato para a prática do esporte.
Pra finalizar, vale lembrar o que Nietzsch em Ecce Homo disse: “Estar sentado o menos possível; não confiar em nenhum pensamento que não tenha nascido ao ar livre e em plena liberdade de movimentos”.
Esse é o Titi que eu conheço! Espero que continue assim até o último post! Beijos e depois dá uma olhada no meu arquiterário (sim, eu continuei).
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